domingo, 30 de janeiro de 2011

Uma entre-vista em Santos - 2007

Neurópolis. Relatos de um compositor que está tocando gente... 
a Orquestra de Músicos das Ruas de São Paulo
Entrevista com Lívio Tragtenberg
Por Heloísa de A. Duarte Valente e 
Teresinha Prada
Núcleo de Estudos em Música e Mídia - 
MusiMid
Errante, errático, compositor de idéias e de gente... O músico 
e compositor paulistano Lívio Tragtenberg, 43 anos, faz uma 
auto-análise do que possa ser. “Sem nenhuma formação 
definida”, como ele mesmo diz, mas “com muita 
informação”, conta que teve grandes mestres: 
Augusto de Campos, Haroldo de Campos, Décio 
Pignatari, entre outros. “Eu não tive uma formação 
em música, tive uma informação a partir da adolescência, 
já combinada a música com outras linguagens”.

O autor de diversas obras musicais e literárias como 
“Anjos Negros”, no qual interpreta “Orfeu Suíte” e 
“Artigos Musicais”, coletânea de artigos publicados 
no jornal Folha de S. Paulo, desfaz-se e se refaz 
em palavras, com pleno domínio do assunto. 
Realizou também diversas trilhas sonoras para 
filmes como Um Céu de Estrelas (1996), Brava 
Gente Brasileira (2000) e Contra Todos (2003). 
Em uma conversa de bastidores, ele fala ao MusiMid 
do novo trabalho: Neurópolis, poucas horas antes 
de começar a tocar a própria composição de gente 
que compõe a trilha sonora das ruas de São Paulo.

MusiMid - Lívio Tragtenberg, muito obrigado 
por estar concedendo está entrevista ao MusiMid 
e devido a importância do seu trabalho, do enfoque 
dele, nós gostaríamos de ouvir um breve relato da 
sua formação intelectual, musical de modo a fazer 
entender um pouco da sua trajetória artística e 
intelectual aos nossos leitores.
Lívio - Bem, eu costumo dizer que eu não tive 
formação, eu tive informação, porque eu não 
estudei formalmente música, em escola e tal, então 
para mim as coisas sempre vieram de uma forma... 
(silêncio) Na medida do meu interesse, em que eu
 fui buscar, e uma coisa levando a outra, mas tive 
grandes mestres, os discos, os livros e, a partir 
de uma certa idade, lá em São Paulo, eu travei 
contato com um grupo de pessoas fantásticas 
para um moleque de quinze anos: o Augusto de 
Campos, o Haroldo de Campos, o Décio 
Pignatari e vários poetas visuais como o Júlio 
Mendonça. Então, na verdade, eu não tive uma 
formação em música, tive uma informação a 
partir da adolescência, já combinada a música 
com outras linguagens. Por isso, para mim, é 
muito natural eu trabalhar com música ligada à 
imagem, ligada à palavra... Esse... percurso... 
de... ir mordendo... de autodidata, ele é errante, 
é errático... Então, há muitas vantagens e muitas 
desvantagens, mas como eu tenho interesses 
diversificados, eu pude usufruir dessa liberdade 
que o autodidata tem e ao mesmo tempo não e
star comprometido com nenhuma escola ou 
linha, não é? Basicamente, isso.
MusiMid – A influência do seu pai, que é uma 
personalidade histórica na Educação Brasileira, 
sua experiência anarquista, acaba por ter uma 
influência mais direta com essa sua formação 
errática?
Lívio – Não, eu sofro daquela coisa da imitação 
paterna, eu o imitei, porque ele era autodidata 
e eu fui ser autodidata também... Então, a influência 
foi básica, essencial. Essa coisa que ele tinha, 
de sempre questionar os dogmas, sempre 
quando vinha alguém com muitas certezas, 
ele desconfiava. Isso eu levo para meu trabalho, 
mais que o meu trabalho, eu levo para minha 
forma de pensar. Quando estou fazendo alguma 
coisa, de que eu tenho muita certeza; quando 
penso que já encontrei a coisa de uma forma 
muito fácil, muito pura até, eu busco baixar a 
bola, esperar um pouco, ver realmente se 
aquele caminho é o caminho mais interessante. 
Ele pode ser até o melhor, mas às vezes não 
é o mais interessante. É o mais fácil, mas nem 
sempre o mais interessante... Então, no meu 
trabalho, sempre busco fazer coisas diferentes. 
Diferentes, não pelo novidadeiro, mas por ser 
o próprio motor do interesse em continuar.
MusiMid – Algo contra a hegemonia, contra 
a idéia dominante? É isso que se fala quando 
se vê uma coisa de que se está com muita certeza...
Lívio – Nada no mundo é puro. Tudo é combinação, 
é mistura. É por isso que eu não me dei muito bem 
com a música contemporânea, que exige uma certa 
pureza; o mesmo para a música instrumental, de 
certa forma. De algum modo, é mais trazer a 
experiência, criando um conflito. Do conflito nascem 
novas situações em que você gera um outro conflito. 
Nunca me interessou estabelecer-me como compositor. 
Por que isso não me interessou? Porque, basicamente, 
eu costumo dizer: não sou músico, eu uso o meio 
da música para minhas idéias, mas eu tenho o 
mesmo interesse pelas outras linguagens, pela 
linguagem poética, pela linguagem, pelo texto 
em si, pelo visual...
MusiMid – Mas quando dizem, a respeito do 
seu currículo: “Lívio Tragtenberg, paulistano...” 
Lívio é saxofonista e compositor? Surge, aí, o 
currículo oficial: “Foi professor do departamento 
de música da Unicamp e tal...” Lívio Tragtenberg, 
etc. e tal... isso é só para o papel, mera formalidade?
Lívio – É só para eu me colocar no mundo. A coisa 
melhor no mundo é você chegar num hotel, quando 
dão aquele negocinho (ficha cadastral) para preencher... 
Ocupação: compositor, isso é uma conquista. 
Quer dizer: você viver de música, viver da sua 
composição, você se colocar como compositor, e eu 
gosto dessa idéia do compositor, porque eu não sou 
só um compositor de música, hoje a gente vai ver... 
Vocês vão ver: eu sou um compositor de... idéias! 
Eu tenho idéias sonoras, tenho idéias que têm a 
haver com o texto, com as imagens, com o espetáculo, 
com a interação com a platéia. Eu gosto do conceito de 
compositor porque é uma linhagem em que eu me sinto 
honrado em pertencer; porque eu elegi a minha linhagem 
dentro da linguagem musical e se você tomar boa 
parte dos compositores interessantes, vai observar 
que eles tinham interesses outros também. Ou eles 
estavam ligados a artistas interessantes, a um meio 
interessante, à inquietação. Então, é mais isso: uma 
questão de você não se fechar num método, numa
 linguagem, só em termos da composição musical. 
Foi o que me levou a naturalmente trabalhar com 
poesia, com imagem.
Musimid – Agora, uma coisa interessante, se a 
gente toma, por exemplo, a poesia sonora do começo 
do século passado: Futurismo, Letrismo... A princípio, 
parece poesia, algo do domínio da literatura, mas se 
nós pensarmos como música, funciona como música: 
levada para a literatura. Alguns domínios do 
conhecimento, especializações são impossíveis de 
se classificar de maneira rígida. Mas a parte da c
lassificação objetiva do compositor, como é que 
você se denominaria? Um compositor de música 
ou um outro tipo de compositor? Existe uma 
denominação, uma classificação para a sua 
atividade de multi-artística?
Lívio – Sabe, eu gosto dessa denominação de 
compositor. Porque eu acho pretensioso, arrogante, 
como aquelas denominações multimídia, multi-criador. 
Compositor, eu sou um compositor. E não interessa 
o que eu o sou (exalta-se), basicamente. Então, 
vamos resumir: sou um compositor! Interessa 
o que eu faço, não é? Se é que interessa! Então, 
não interessa o nome a que me dou, eu nunca 
me prendi à questão da própria forma, como 
a gente se coloca (silêncio). Nisso eu sou muito é... 
eu sou um juntador de coisas; na verdade, cada 
vez mais um juntador... Vocês vão ver hoje à noite. 
E cada vez mais isso me interessa, porque eu lido 
com pessoas, e isso está me interessando cada 
vez mais. Outro dia me perguntaram: “- O que 
você toca?”, eu respondi: “- Atualmente eu estou 
tocando gente... tocando cultura ... musical”. 
Aí se temos as senhoras que tocam koto e shamizen 
as músicas do século XIII, misturadas com o 
embolador da Praça da Sé... Então, eu estou 
tocando esse pessoal!

MusiMid – E eles se afinam! Como é a sua 
lide com a música, na prática?
Lívio - Nunca me interessou a minha música, 
você entende? É... pode parecer um negócio 
maluco, mas essa coisa que fala: “-Ah, você 
compõe trilha sonora, trilha sonora é uma 
coisa de segunda, é... menos importante do 
que a tua música.” Eu falei “- A minha música 
é tudo o que eu faço, então é trilha sonora, é 
minha música, tanto quanto a minha música que 
eu faço... Eu não vejo status, eu não qualifico a 
criação em status, de haver uma coisa com um 
status maior, outra com status menor. Por isso 
é que a idéia de que as coisas se intercomunicam 
de uma forma natural, para mim é tão tranqüila. 
E é muito tranqüila no sentido de criar significados. 
Agora, o problema é que você precisa ter um certo 
conhecimento específico nas diversas áreas. Para 
mim, isso é um estímulo, não é um problema. 
Quer dizer, me obriga a estudar isso, estudar 
aquilo, conhecer um pouco mais daquilo outro. 
Porque eu acho que o compositor, hoje em dia, 
vindo da tradição da música (silêncio) ocidental, 
ele já é um tipo diferente, ele já não é mais só 
aquele que precisa saber disso, daquelas técnicas 
musicais convencionais como contraponto, 
harmonia, orquestração... Eu acho que ele tem 
é que se inserir num âmbito maior, sabe? 
Porque o próprio circuito de conceitos de tudo 
isso, ele é herdado de uma época, e o problema 
que eu vejo da música contemporânea, é que 
ela não conseguiu um espaço ativo dentro dessa 
nova dinâmica, entende? Um espaço social. 
Então ela ficou ainda muito presa,... isso os músicos, 
os compositores, os intérpretes, eles continuam 
no século XIX, na Europa, na estrutura de vida, 
mesmo, o pensamento de vida, claro que isso 
não quer dizer que não vai tocar mais Beethoven... 
Não! Não é nada disso, mas no mundo ocidental 
se dá um status ao músico erudito. Por mais por 
baixo que ele esteja no Brasil, ele tem um status
 social, em boa parte do meio. Isso fecha as 
possibilidades. Quero dizer: a pessoa já não toca 
se não for o piano x y, já não vai a um lugar. 
Entende-se toda uma questão quase sociológica 
do músico erudito aqui (Silêncio). A própria 
palavra erudito já é um horror, não é? Então, 
a questão, hoje, é dominar todas as técnicas, 
isso é o básico. Isso eu falo para o pessoal 
quando dava aula. “– Você... ah eu...”, você tem 
que estudar tudo, saiba tudo, tudo... É o mínimo. 
E jogue tudo fora, para aí você começar a ver 
o que interessa. Da lata do lixo você tira, 
porque senão transforma isso numa camisa 
de força. Porque é um acervo que você 
constrói com tantos anos de empenho e de 
capital mesmo... Fazendo faculdade, pós-graduação, 
doutorado e tal e tal, que é difícil abrir mão 
disso para uma nova idéia. É, ou não é?
MusiMid – É. E também há uma dificuldade 
maior a considerar, que é a escolarização hoje. 
Alguém que sai da graduação, vai para uma 
pós-graduação, porque não sabe nem escrever 
direito. Nossos alunos e os trabalhos mostram 
falhas que, antigamente, correspondiam à 
quarta-série do Primário. Os alunos não 
conhecem a conjugação de verbo, crase, 
contas simples, então é... um descompasso a mais. 
É a especialidade em vários campos aliada a 
essa dificuldade de descompasso da escolaridade.
Lívio – É a mesma diferença social que tem no 
Brasil. Uma elite e uma massa abandonada 
à própria sorte... A mesma coisa na educação... 
se tem, ao mesmo tempo, centros de excelência 
no Brasil que não existem no mundo. Mas eu 
acho que essa coisa... a educação, um problema... 
(divaga). Arte, eu não gosto dela na 
Universidade, do jeito que ela está montada. 
Eu acho que ela não... universaliza... 
ela universatiriza... (risos). A Arte, ela 
virá arte universitária, isso não existe... 
Existe arte! Então, você tem um certo código, 
o compositor na universidade ele não tem 
estúdio, ele tem laboratório, ele quer o status 
do cientista. E o cientista quer o status do 
artista. Porque ele quer criar, cada vez mais 
a fantasia e a acaso e os processos abertos 
interessam... Isso é uma vanguarda na ciência... 
Quer dizer, é uma loucura, e ao mesmo tempo 
artista na Universidade quer cada vez mais 
o status do cientista, eu brinco que ele 
compõe com luva cirúrgica, para não contaminar 
o teclado, nem o computador. Então são 
músicas... é isso que eu falo de não ter um c
onflito, buscam a pureza. Pureza, você sabe 
no que dá... não é? Já deu na História, essa
 história de pureza.
MusiMid – Tomando esses dois tópicos que 
você citou: Um deles, da própria Educação: 
de um lado nós temos essa chamada elite 
na música erudita, que é uma expressão infeliz, 
concordamos, mas por outro lado, está havendo 
uma grande desvalorização daquele que 
estudou um pouco mais e considera como 
aquilo que é chamado por aí de popular, 
como sinônimo de iletrado. Nessa ideologia, 
o naturalmente espontâneo é o puro, 
o autêntico, o bom. Isso tem sido tema de 
nossas discussões em grupo, queria saber 
se você concorda com isso, se discorda, 
comenta alguma coisa a respeito.
Lívio – Se é que eu entendi a sua idéia, 
acontece o seguinte: todas essas coisas 
têm a haver com manipulação econômica... 
São outras esferas que estão nisso, quando 
se fala hoje em dia, exporta cultura musical 
brasileira, se bota essas coisas... Na verdade, 
nada é nada... Tudo é um jogo de mercado, 
entretenimento, e a gente está falando de 
entretenimento... Pelo que eu entendi, o 
que você está falando, essa hiper-valorização 
da coisa popular, do iletrado, até como 
um valor, não é como Monteiro Lobato 
fazia com o caipira, com o Jeca, porque 
agora eles ganham grana em cima do 
Jeca; o Jeca, hoje, virou um valor de moeda. 
Eu acho que é tudo uma questão de mercado, 
mesmo, e vai se manter a ignorância como 
uma moeda onde se fatura... A base de todos 
os problemas é o problema da Educação. 
Enquanto as pessoas não tiverem uma boa 
educação, elas vão ser reféns...
MusiMid – É que de alguma maneira esse 
elogio a um músico, um profissional formado, 
hoje, é mal visto em relação a outros que 
tocam três ou quatro acordes, quem 
aprenderam sozinhos. E isso é valorizado 
dentro da academia pelos musicólogos 
(alguns deles, nem é preciso citar nomes, 
bastante famosos...)
Lívio – É... Entrou em cartaz, um filme do 
Sérgio Bianchi [Quanto vale ou é por quilo?
que é sobre a vampirização da miséria no 
Brasil pela classe média. O filme é maravilhoso, 
ele fala dessas ONGs que faturam em 
cima da miséria do povo e é exatamente 
isso que o musicólogos fazem: enquanto 
houver miséria, para eles é um campo 
fértil de pesquisa e de bolsa e de financiamento, 
então... E lá eles são os doutores, 
têm uma posição de superioridade, 
então vai fazer pesquisa do cateretê do 
não-sei-o-quê da Varginha do Norte e dá 
a isso um status de importância cultural 
que não tem. Então é essa sobrevalorização, 
é uma forma de vampirização da academia, 
é uma forma da academia continuar com o s
eu sistema de atuação, quer dizer, de 
auto-referente. E não gera cultura, gera 
um monte de monografias sobre aquela 
cançãozinha... Aí entra a teoria linda... 
Você pode usar a teoria para justificar tudo. 
Entra meia dúzia de semiótica no negócio e 
aquele cateretezinho de não sei da onde vira 
uma pérola, não é?
MusiMid – E essa tentativa de inclusão social, 
via arte, via música, como o Projeto Guri, 
por exemplo... Estas iniciativas de tirar o 
menor da rua via arte, como é que você 
entende isso? Como um tipo de assistencialismo? 
Gera arte?
Lívio – Olha, aí tem que tomar cuidado, 
temos muitos projetos, muito diferentes... 
Eu não os conheço muito profundamente, a
gora eu acho difícil você pegar uma criança 
e botar um violino na mão dela, eu acho 
que antes de tudo a criança tem que ter 
tido uma convivência com música, com 
o som, com a arte de diversas formas, 
é meio tapar o sol com a peneira, na 
verdade é fugir do problema principal 
que é a escola. Escola tem que ser 
boa... escola sendo boa, você não 
precisa de mais nada disso.

SESC-Santos, 21/05/2005
Transcrição dos originais: André 
Baptista de Vasconcelos

Heloísa de A. Duarte Valente é doutora 
em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. 
Coordenadora do Núcleo de Estudos em 
Música e Mídia (MusiMid), é autora de Os 
cantos da voz: entre o ruído e o silêncio 
(Annablume), As vozes da canção na mídia
 (Via Lettera), entre outros artigos em 
revistas especializadas.
Teresinha Prada é violonista, integrante 
do Trio de Violões de São Paulo, Mestre em 
Produção Artística Latino-americana e 
Doutoranda em História pela USP.


 

sábado, 29 de janeiro de 2011

H LAXIA


H LAXIA 16 de fevereiro a 10 de abril - SP
Dia 16 de fevereiro de 2011 inauguro no Itau Cultural e na Casa das Rosas em SP, duas instalações sonoras com videos, etc;  em tôrno da poesia de Haroldo de Campos.
H LAXIA - Itau Cutlural - a partir de Galaxias: um tunel em que o publico percorre estimulado por sons, imagens e ao final do percurso pode registrar sua propria voz lendo galaxias ou fazer o que lhe aprouver.
O Âmago do Ômega na Casa das Rosas é uma instalação de musica e video, de um projeto que concebi com Haroldo e realizamos gravações de sua voz entre 1998 e 2000. O resultado é uma imersão profunda nos poemas negros da serie.
Salve-se quem puder!